Mais da metade dos desalojados por chuvas no RS já deixaram os abrigos; 32% dos locais foram fechados

Um mês após as inundações, levantamento revela a situação dos desalojados no Rio Grande do Sul.

Um levantamento realizado pelo blog Por Dentro da Notícia revela que 32% dos abrigos temporários criados pelas prefeituras de Porto Alegre e de outros municípios do Rio Grande do Sul foram fechados. Segundo a Secretaria de Desenvolvimento Social, o estado chegou a ter 875 abrigos, dos quais 592 ainda permanecem em funcionamento.

Desde o início das inundações, quase 44 mil pessoas deixaram os pontos emergenciais montados para receber os desalojados. Cerca de 37 mil pessoas ainda permanecem nos abrigos. A Secretaria de Desenvolvimento Social informou, em nota, que “quando a água baixa, há um movimento natural de retorno das famílias para as suas casas.”

Ademir Duarte Marques, de 34 anos, voltou para casa com a esposa e os dois filhos, de 5 e 15 anos, no domingo passado, após ser informado que o abrigo onde estavam, na cidade de Alvorada, iria fechar. Ademir e sua esposa, que trabalham como catadores de material reciclável, perderam tudo na tragédia. “Tivemos que limpar tudo, estamos arrumando aos poucos”, contou Ademir, que recomeça do zero.

Por outro lado, a família de Fábio Edis da Silva não teve a mesma sorte. Residentes na Ilha da Pintada, em Porto Alegre, continuam alagados, sem previsão de quando a inundação vai ceder. No abrigo em Alvorada, região metropolitana da capital, eles vivem uma rotina angustiante. A esposa de Fábio, Bebiana Souza, de 43 anos, e o filho Brian, de 7, estão entre as mais de 37 mil pessoas que ainda dependem desses pontos emergenciais.

“Eu acordo às 7h da manhã, ajudo a limpar o salão, os banheiros e, depois, também ajudo com o café da manhã. Às 14h, começa o almoço. Às 21h, é o jantar, e uma hora depois o toque de recolher”, relatou Bebiana.

A rotina se repete dia após dia para quem depende de ajuda. “As doações diminuíram, coisas como cobertores não estão mais chegando… Mas não tenho casa, não tenho como reclamar.”

Sem trabalho, o casal que vivia da pesca artesanal se vê impossibilitado de retomar a atividade devido à cheia do Lago Guaíba. Bebiana e Fábio também convivem com a ameaça constante do fechamento do abrigo e a incerteza sobre onde irão se abrigar. A prefeitura de Alvorada foi procurada sobre o fechamento do abrigo Campo Branco e o destino dos desalojados, mas não houve resposta até o fechamento desta edição.

A situação de Bebiana e Fábio reflete a realidade de milhares de pessoas forçadas a se deslocar devido a tragédias climáticas. Um mês após a tragédia, a comoção inicial diminuiu. A lei internacional não oferece proteção específica aos refugiados climáticos.

A professora de Direito Internacional da Universidade de Passo Fundo, Patrícia Grazziotin Noschang, explica que existem documentos da ONU prevendo a migração por desastres naturais, mas os tratados internacionais vigentes são determinantes.

Os desalojados no Rio Grande do Sul são classificados como “deslocados em razão das mudanças climáticas” pela Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados. Isso significa que aqueles obrigados a deixar suas casas devido às mudanças climáticas ficam desprotegidos pela legislação atual.

A Convenção de Refugiados de 1951 protege pessoas que fogem de guerras, conflitos ou perseguições, não abrangendo a população afetada por desastres naturais. “Tentativas de aprovar uma Convenção sobre Pessoas Ambientalmente Deslocadas não avançaram”, afirmou a especialista.

O que preocupa é a normalização da situação para o público distante dos desdobramentos. O trabalho de agências como a Acnur é crucial em emergências desse tipo. Agentes do Alto Comissariado da ONU atuam para prevenir violações de direitos nos abrigos coletivos.

“Atendemos pessoas com deficiência, crianças desacompanhadas e trabalhamos na documentação dessas pessoas, um elemento básico”, explicou Miguel Pachioni, porta-voz da Acnur.

A documentação permite acesso a recursos e serviços públicos. A Acnur irá disponibilizar ao governo do RS e ao governo federal 50 toneladas de donativos de três países, além de 200 casas temporárias, kits de higiene, telas anti-mosquito e lâmpadas solares. Isso proporcionará uma sensação de lar para muitos gaúchos que dependem da ajuda de terceiros por um longo tempo. A reconstrução, para muitos, será do zero.

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