Polícia Federal aponta movimentações atípicas e tentativa de blindagem patrimonial após revelação de fraudes bilionárias
A Polícia Federal pediu a prisão preventiva do ex-CEO das Lojas Americanas, Miguel Gutierrez, alegando que o executivo transferiu bens, incluindo imóveis e veículos, e enviou dinheiro para contas offshore em paraísos fiscais. As movimentações foram identificadas como suspeitas e vistas como uma tentativa de proteger seu patrimônio após a descoberta de fraudes contábeis na empresa.
O juiz Márcio Carvalho, responsável por autorizar as prisões de Gutierrez e da ex-diretora Anna Saicali, destacou em sua decisão que os dois estão sendo investigados no âmbito da operação Disclosure. A operação da PF busca esclarecer as fraudes que resultaram em um rombo bilionário nas contas da Americanas. Tanto Gutierrez, que possui cidadania espanhola, quanto Saicali, deixaram o Brasil e foram incluídos na lista de difusão vermelha da Interpol.
Além de enfrentar acusações de uso de informação privilegiada, manipulação de mercado e associação criminosa, Gutierrez também é investigado por lavagem de dinheiro. A defesa do executivo afirma não ter tido acesso aos autos das medidas cautelares e, portanto, não tem comentários a fazer no momento. Os advogados sustentam que “Miguel reitera que jamais participou ou teve conhecimento de qualquer fraude e que vem colaborando com as autoridades, prestando os esclarecimentos devidos nos foros próprios.”
Para a PF, um dos motivos para a prisão de Gutierrez é que o crime de lavagem de dinheiro continua em andamento, visando a ocultação de patrimônio. Outro motivo é a suposta tentativa de fuga do ex-CEO, que deixou o Brasil em 29 de junho de 2023, após a instauração do inquérito e a criação de uma CPI sobre o tema no Congresso.
Emails e anotações encontradas em um iPad indicam que Gutierrez criou um “engenhoso esquema societário”, com várias remessas de dinheiro para offshores em paraísos fiscais. As anotações demonstram a preocupação do ex-CEO em proteger seu patrimônio após deixar o cargo, já prevendo a explosão do escândalo.
O plano de Gutierrez, segundo a PF, envolveu transferir todos os imóveis em seu nome para empresas ligadas a familiares e enviar valores a empresas no exterior também associadas a ele e seus parentes. “Foram encontradas anotações que ilustram o esquema societário com remessas de valores, empréstimos e doações entre as empresas ligadas a Miguel Gutierrez”, aponta a PF.
Em um dos e-mails, a PF encontrou detalhes sobre uma transação de US$ 1,5 milhão com uma empresa sediada em Nassau, nas Bahamas. O juiz, ao deferir o pedido de prisão, afirmou: “Segundo a Autoridade Policial, ‘Miguel Gutierrez planejou e está executando seu ‘desafio’, visando uma possível blindagem patrimonial através de transferências de capitais, bens móveis e imóveis’.”
O magistrado salientou que, inicialmente, não pretendia conceder a prisão, mas os fortes indícios de evasão e a tentativa de se furtar à aplicação da lei penal não deixaram alternativa. Ele ressaltou que a decisão pode ser revista caso Gutierrez se apresente espontaneamente. “Caso o investigado se apresente às autoridades brasileiras, desconstituindo a presunção de fuga, a necessidade de sua prisão cautelar poderá ser revista na audiência de custódia que será designada após sua prisão”, concluiu.
O rombo nas contas da Americanas foi revelado no início de 2023, quando a empresa reportou inconsistências contábeis de mais de R$ 25 bilhões, levando à recuperação judicial. Estudos internos apontaram que as inconsistências eram fraudes cometidas por ex-funcionários da rede varejista. Em novembro de 2023, ao adiar pela quarta vez a divulgação das demonstrações financeiras de 2022 e a revisão do balanço de 2021, a empresa afirmou à CVM que foi “vítima de uma fraude sofisticada e muito bem arquitetada, o que tornou a análise de suas demonstrações financeiras históricas extremamente desafiadora e complexa”.