O trabalho de Santiago Barros (47), designer gráfico, vem chamando atenção e ganhando milhares de seguidores na Argentina nas últimas semanas. E o motivo não está relacionado diretamente ao seu ofício.
Ele decidiu há um mês usar os recursos da IA para impulsionar as buscas por bebês desaparecidos durante a ditadura militar (1976-1983).
Como publicitário e diretor de arte, Barros tem familiaridade com os aplicativos de IA e percebeu como eles poderiam ser úteis para facilitar o trabalho de organizações como a Abuelas da Plaza de Mayo (Avós da Praça de Maio).
As abuelas são uma famosa organização de direitos humanos que ganhou projeção mundial ao denunciar os crimes da ditadura argentina e localizar bebês desaparecidos.
O trabalho de Barros usando IA consiste em inserir fotos dos pais dos desaparecidos no aplicativo Mid Journey para que este recrie possíveis fotos de seus filhos, passadas quatro décadas desde o sequestro.
A IA fornece 4 possíveis rostos baseados nas imagens inseridas. O designer escolhe uma das opções e publica no perfil IAbuelas, página do Instagram que criou para divulgar o trabalho.
O perfil em apenas um mês conquistou 6.300 seguidores.
Imaginação artificial: não é 100% confiável
Santiago publicou até o momento 40 “identidades imaginárias” retirando imagens dos pais dos desaparecidos do portal Abuela.
Começou o trabalho seguindo ordem cronológica, conforme a lista de desaparecidos da organização de direitos humanos que conseguiu identificar 132 pessoas sequestradas, do total de 432.
Por isso, as identidades publicadas correspondem ao período de 1976, mas Barros diz que as imagens dos desaparecidos em 1977 estão em andamento.
Para a France Presse, conta que o que faz é pedir para a IA imaginar a partir de seus recursos a recriação de possíveis rostos.
“Os resultados não são 100% confiáveis”, explica. O DNA continua sendo a melhor ferramenta para identificar pessoas, mas ele acredita que a IA será capaz, um dia, de reconhecer pessoas com incrível grau de precisão.
Vítima da ditadura e desafio
A família de Barros também foi vítima dos crimes praticados pela ditadura. Um dos seus parentes é uma criança desaparecida. Por isso, foi inevitável o contato com o trabalho das Abuelas da Plaza de Mayo.
Ele revela que sempre se sentiu desafiado pelo trabalho que a organização faz, pelas dificuldades que enfrenta, e entende que um dos principais problemas é a falta de uma representação gráfica sobre a imagem dos bebês atualmente.
Para ele, no inconsciente coletivo, eles continuam sendo crianças ou bebês, mesmo que já tenham a idade dele, nascido no ano do golpe militar (1976).
IA em favor da humanidade
Um aspecto interessante da repercussão do IAbuelas na Argentina é que muitos dos compartilhamentos em relação ao conteúdo associam a prática como exemplo de uso da IA para bons propósitos.
Em tempos que se especula como o avanço da IA tende a impactar o mercado de trabalho e fortalecer conteúdos fabricados para distorcer a realidade, o IAbuelas surge como um contraponto.